sexta-feira, abril 21, 2006

Distâncias

O início das férias era sempre uma excitação. Primeiro porque acabava a escola, mas principalmente pela viagem que se avizinhava.

Saída de Mértola na camioneta das quatro a caminho de Vila Real. Lugar marcado num dos bancos da frente por causa dos enjoos. Essa primeira fase da aventura permitia uma condução imaginada, incluía uma paragem prolongada nas Quatro Estradas enquanto a camioneta ia a Alcoutim buscar e levar passageiros. Chegada a Vila Real, apanhar o comboio ronceiro até à Conceição de Tavira para passar a noite em casa do avô

Cumprida a visita familiar, no outro dia comboio ronceiro outra vez, olhar atento á paisagem que fugia ora num lado do comboio ora no outro, dividido pela curiosidade ou controlado pelo cobrador, farda de policia, olhar atento e alicate na mão para furar vária vezes um bilhete que eu guardava no bolso da calças com pavor de o perder. Tavira, Luz, Fuzeta, Olhão, Faro, Boliqueime nomes de referência que marcavam o ritmo da viagem com paragem em todas as estações e apeadeiros. Até Tunes onde o meu pai ou a minha mãe me esperavam para a última etapa da aventura. De carroça ou de charrete, até casa para cumprir o que faltava dos pouco mais de cem quilómetros de distância entre a partida e um destino distante de dois dias de viagem.

Depois, umas férias dignas de um rei, guardar vacas, banhos no tanque, apanhar laranjas, andar de bicicleta e ler até altas horas à luz do candeeiro a petróleo, liberdade.... Uma aventura diferente todos os dias à espera da outra aventura maior mas já menos apetecida, a viagem de volta e o regresso à escola.

Três vezes por ano, Natal, Páscoa e férias grandes, seis grandes viagens anuais marcavam a minha vida e faziam de mim o mais viajado de todos, apesar de Beja ser tão distante que só lá fui pela primeira vez aos doze anos para fazer o exame do 2º ano.

quinta-feira, abril 20, 2006

À Mercê de Mértola

Quando é que um homem muda? Quando é que ele altera o seu carácter, que demorou tanto tempo a formar? E para quê? E porquê? São estas as perguntas que ele vai fazendo enquanto desce a rua, de um lado casas baixas, do outro o muro que o protege da queda em direcção ao Guadiana. Não que ele lá chegasse porque o rio ainda dista uns vinte metros da escarpa. Batia na rocha nua.
O homem pára, encosta-se ao muro, olha a paisagem salpicada de verde e de casas brancas, segue a linha do rio que o convida a espreitar para os salgueiros inclinados, a vegetação, as aves. Acende um cigarro distraidamente. Um carro passa por ele, o condutor olha-o fixamente, avaliando esta cara recente na vila. O homem já se habituou. Não é diferente de todos os outros. Este passou quase sem desacelerar. Alguns outros ensaiam perguntas, sondando. De onde vem? Fica por cá? O que é que faz? E o homem responde às vezes, mente noutras, mostra-se aborrecido umas raras vezes. Mas sabe que é assim. Que a curiosidade é humana e quantos menos seres vivem numa terra, maior a curiosidade se mostra.
Agora deita fora o cigarro. Desce mais um bocado. Aprecia mais uma vez a Torre do Relógio. O passado recente regressa-lhe à mente e puxa-o para o fundo de novo, não quer a recordação, não quer a dor. Mas as perguntas labutam dentro de si. Quando é que um homem muda? Quando tem que mudar, reponde ele. Quando é que altera o seu carácter? Se calhar nunca. Então como pode mudar? Nunca se esquecendo. Recordando-se sempre. Do que fez. Um homem é o que um homem faz.
Acelera o passo para que as perguntas fiquem para trás. Desce até à Praça da Câmara Municipal. Deixa-se ficar debaixo de uma laranjeira apreciando a frescura da sombra. Depois continua em frente. Pelas ruas estreitas e empedradas e tortas e torcidas de Mértola velha. É uma bênção ter que dar atenção a onde coloca os seus pés. As perguntas saem-lhe do espírito enquanto se concentra noutras coisas. Vai caminhando meio ofegante devido aos pulmões cheios de tabaco e ao calor que já se faz sentir. Leva um saco nas mãos.
E para que é que um homem muda? Para se acomodar à sua nova vida, diz para si o homem. Mas não está muito convencido. Ou porque já não se revê no que era, acrescenta. Mentira. Não será porque o que és te mete asco? Também, também. És um traidor. Sou.
Agora passa a ponte velha sobre a Ribeira de Oeiras. Bonita a ponte. Majestosa na sua velhice. Sobe em direcção ao estacionamento de terra batida. Ela vai estar lá. Vão trocar objectos pessoais. Que te dirá ela? Que a feriste. Que lhe colocaste uma ferida gotejante onde ela não pode fazer um penso. Que vai demorar a sarar e que tu és o culpado. Sou. Mas mudei, serviu-me de lição. Isso ainda ninguém sabe. Só tu e talvez nem isso. Mas disse-lhe a verdade. Que a minha traição também me mudou. Mas não fui a causa da mudança, dirá ela. Foi outra. E isso também dói. Também dói nem sequer ter essa consolação. Mas também foste. Mas não fui a principal razão. Foi outra. Aquela que tiveste nos teus braços quando deverias estar comigo. Não foste só tu, é verdade. Mas também não foi só ela. Não foi? Não, não. Foi Mértola. Mértola também foi a causa da minha mudança. Que consolo isso me dá. E vai-se aproximando do carro dela enquanto ensaia o diálogo. Pára e acende mais um cigarro para ganhar tempo e coragem.
Chega ao pé do carro dela. Apaga com um pé o cigarro na terra batida. Ela sai do carro. Olha-o. Pouco diz. Assina aqui. O homem assina. Trocam as coisas. Dizem adeus. Há perguntas nos olhos dela, mas não saem. É mais um castigo. De boa vontade lhe daria respostas. Mesmo que custasse. Ela põe o motor do carro a funcionar. Afasta-se lentamente. Acabou-se. Perdeste uma amiga, não o sentes? Sinto. És um traidor. Nunca mais serei. Vais mudar o teu carácter? Tenho de mudar. O carácter raramente muda, sabes isso? Não, não sei. Terei uma segunda natureza. Como é que sabes? Mértola. O que queres dizer com isso? Estou à mercê de Mértola. Porquê Mértola e não outro sítio qualquer? Não sei, há qualquer coisa em Mértola. Que coisa? Uma coisa dura, queimada pelo sol, às vezes má, mas verdadeira. Onde? Nos olhos desconfiados das pessoas.
O homem sobe em direcção ao Café Guadiana. Pede uma cerveja. Senta-se na esplanada. Passa um carro vermelho, com a cor queimada pelo sol. O condutor olha-o fixamente. O homem acena-lhe um adeus. O outro fica espantado. Levanta ligeiramente a mão em resposta. Faz a curva mais aberta do que devia. O homem bebe um golo da cerveja. Não usa o copo. Bebe da garrafa, pelo gargalo. O líquido queima-lhe a garganta, gelado. O homem tem um arrepio. Já não é o mesmo que era. Já nada é o mesmo. Mas sente-se estranhamente bem. Mértola entardece.

segunda-feira, abril 17, 2006

Estranhas Criaturas sob os Céus de Mértola nº 14

Mértola tem cantos e esquinas com a magia dura da desconfiança, com certezas trazidas do inconsciente puro, feitas de acções escondidas, amores proibidos, desejos não autorizados. Mértola possui encantamentos criados por runas de desespero, desespero trazido à superfície pela diferença individual face ao olhar colectivo. Foi dessa magia de Mértola que nasceu a minha Samurai.

Foi numa noite de Janeiro que lhe vi pela primeira vez a guerreira no corpo e no espírito. Nada indicava que choveria nessa noite. Mas choveu. Sobre o seu corpo molhado, sobre a sua roupa encharcada, desenhava-se uma figura de armadura, as ombreiras feitas de bambu, o capacete dobrado para fora, e à cintura a katana e o wakisashi. Sorriu-me com a malícia de uma criatura mágica. Quis que eu visse o segredo que lhe crescera no corpo devido a ser diferente de tudo o resto. Um rubi. "Vês-me?" perguntou-me com os olhos. Acenei pasmado. Aproximou-se de mim, sussurrou-me ao ouvido, um sopro no meu pescoço molhado pela chuva não anunciada. "E que sou eu?" Saiu-me roucamente, a voz presa à garganta. "Uma samurai." E ela olhou-me surpresa. Não se via assim. Via-se com outra magia. Mas vemos coisas diferentes de nós quando nos olhamos ao espelho. Ri-me e coloquei os meus braços à volta da sua cintura. Assustou-se com o meu riso. E vi-a prender a sua mão na katana, receosa que também eu a tentasse levar para longe do seu caminho. A tentação chegou-me ao corpo, admito-o. E beijei-a. Como se beija uma Samurai. Com determinação, com a vontade do corpo e do espírito colocada numa só acção. Não vos posso dizer qual era a magia com que ela se via. Era muito forte e muito segura e também uma ilusão. Mas era só dela e não a partilho convosco.

Foi mais tarde, numa noite em que a chuva prometia cair mas não caiu, que a minha Samurai se ofereceu para me proteger com o seu corpo, para continuar quando eu tombasse, para receber todas as ofensas por mim. E eu aceitei. Injustamente, pois faltava-me pureza para tal devoção. Faltava-me honra para tal dignidade. Digo-vos desde já que não me faltava amor. O amor mudo e pasmado estava em mim. Um amor medroso também. Porque na sua pequena estatura, ela era muito grande para mim. Não a merecia e menti-lhe. Muito. Não se pode mentir a um Samurai, nem em Mértola nem em lado nenhum. Perdeu a honra que me tinha estendido a mim e perdeu uma grande porção da sua magia. A sua mão pequena e trémula agarrou no seu wakisashi, a espada curta que é a alma de um Samurai. Atravessou-se com ela e de seguida enterrou a katana no meu peito com a verdade na sua lâmina. Duas acções. Distintas. Seguidas. E vi-lhe o brilho desaparecer do corpo. As ombreiras caíram-lhe aos pés como as asas de um anjo ferido. Tirou o capacete para que as lágrimas corressem livres e enferrujassem as suas duas espadas brilhantes. Poderia ter acabado aqui. Poderia ter perdido o Samurai do seu corpo e eu poderia ter-me enterrado num buraco fundo, sujo na minha vilania. Mas uma Samurai não desaparece com facilidade. Luta contra o universo se tiver de o fazer.

Imaginem duas estranhas criaturas sob um céu de Mértola que promete chover mas não o faz. Uma delas disforme, apesar de ninguém o ver. Outra, uma guerreira sem medo, apesar de poucos quererem reparar. Entre eles um braço esticado e na sua mão uma katana, brilhando com a luz da lua. Feita de lua. Enterrada no meu corpo. "A minha arma vai desfazer-se. Corrói-se com a tua maldade. Mas eu amo-te à mesma. Perco honra por ti. Rebaixo-me." E o brilho à volta do seu corpo intensifica-se. Ela não vê, claro. As lágrimas enevoam-lhe a vista. E isto dito assim não me permite afundar-me na terra, desculpar-me. Atravesso-me na lâmina mais e mais até chegar a ela. Dói. Como nunca doeu. Mas vale a pena. Encosto-me ao seu corpo ferido apesar dos seus fracos protestos. A lâmina queima-me por dentro, desfazendo o meu mal. "Regresso a ti. Dá-me uma oportunidade." Digo-lhe a medo. "Já não tenho senhor. Tive-o por um bocado, mas já não tenho. Vaguearei por aí." E beijou-me. Com um amor tão intenso que me ardeu. Com uma dor tão viva, que me basta fechar os olhos para ainda a sentir. E as suas espadas derreteram, o seu capacete ainda está caído no mesmo sítio onde ela o largou. As ombreiras foram levadas pelo Guadiana até encalharem num canavial. Mas continua a andar como um Samurai. A minha Samurai que já não me pertence.


Habitam estranhas criaturas sob os céus de Mértola. Há uma Ronin que vagueia incerta, mas com as passadas seguras de uma Samurai. Há um homem que procura a honra que roubou à sua guerreira. Se a virem passar, olhem-na com respeito. Acenem-lhe com admiração. Já não há muita gente que se dê ao amor com a determinação que este merece. Já não há muita gente que seja ferida com a força de uma avalanche e se erga de novo, sangrando mas repetindo as suas palavras de amor. Em Mértola há uma Ronin, uma guerreira sem senhor que o fez. Que sorte que tem Mértola. Mas só eu vejo, mais ninguém. Sigo-a, como um vassalo que já foi senhor. Ela empurra-me para longe. Mostra-me as mãos vazias. "Hei-de encontrar a tua katana e o teu wakisashi." Ela ri-se e diz-me que se vai embora. Que Mértola já não lhe traz mais nada. Mentira. Há uma katana e um wakisashi em Mértola. Hei-de encontrá-los. Hei-de dobrá-los mil vezes com a maça do meu amor. Hei-de torná-los fortes de novo. E hei-de entregá-los à Ronin que já foi a minha Samurai. Mesmo que depois ela os ofereça a um outro senhor mais merecedor do que eu.

Notas:

Samurai - antigo guerreiro japonês, especialista na arte do sabre, seguidor de um estrito código de honra e servidor de um senhor feudal (daimyo); Do jap. samurai, «servidor do imperador».

Ronin – Samurai caído em desgraça, sem honra, condenado a vaguear pela terra.

Daisho – Conjunto de duas espadas, uma comprida, a Katana, e outra curta, o Wakisashi, que são as armas da honra e da força de um samurai.
Conto de
"Possivelmente Talisca"

sábado, abril 15, 2006

Em Mértola ou noutro sítio qualquer

Um carro vem a descer a rua.
Um carro vem a descer a rua e quase preguiçosamente faz uma curva. Do seu lado direito as laranjeiras passam cadenciadas já em flor. É Abril e o calor no asfalto faz-se sentir como promessa dos meses que virão. Ao fundo da rua uma rotunda com oito colunas de tamanhos diversos dentro de uma fonte. Normalmente esguicha água de um cano que rompe do centro das colunas. Mas neste momento não. Estão secas. É princípio de tarde e os pássaros cantam sobre a vila. Cheira a flor de laranjeira e um vento suave lambe a folhagem verde escura.
Um carro vem a descer a rua. Sem muita pressa.

"Já não me amas." "Amo sim." Já não sorris para mim." "Claro que sorrio." "Dantes estavas sempre a sorrir. Agora já não." "Sorrio. Ainda sorrio." "Só sorris para o nosso filho. Só te vejo sorrir para ele." "Não é verdade." "Estavas sempre a rir-te. Com todas as parvoíces que eu dizia." "Não tens feito brincadeiras." "Deixei de as fazer porque tu deixaste de te importar." "Não é verdade, devias continuar." "Para quê?" "Alegra-me quando brincas comigo." "Não se nota." "Não sejas assim. Vem cá." "Tu não estás excitada." "Então excita-me."

Um carro vem a descer a rua.
Um carro vem a descer a rua e não vem depressa. No banco de trás, numa cadeira bem presa, está um menino. Tem pouco mais do que um ano. Está a olhar para as laranjeiras. Os seus olhos rolam em direcção à sua mãe. Abre a boca preguiçosamente, com sono e calor. Diz mãe.
Ela olha para trás com um sorriso surpreso estampado na cara. O seu filho falou pela primeira vez. Fica com o coração a rebentar de amor e ternura.
Um carro vem a descer a rua. Não vai depressa e aproxima-se de uma passadeira que antecede de imediato a rotunda.

"Antigamente, mal te tocava, os teus mamilos ficavam rijos." "Ainda ficam." "Olha… Não ficam." "Tem paciência." "E não tenho tido?" "Esforça-te um bocadinho mais." "Que mais tenho eu feito?" "Sim, tens-te esforçado." "Parece que tenho andado a fazer amor sozinho este tempo todo." "Porque é que insistes em dizer isso?" "É o que sinto." "Como é que queres que me sinta bem se sempre que vamos para a cama me acusas de não te amar?" "É o que sinto." "Preciso que me ajudes e compreendas." "Não me deixas ajudar-te." "Deixo, pois. Dá-me tempo." "Eu dou. Que remédio tenho eu." "Abraça-me." "Abraçar ajuda-te?" "Nem sabes quanto." "Continuas sem sorrir." "Eu sorrio. Eu sorrio".

Um carro vem a descer a rua.
Durante três segundos uma mãe olhou embevecida para o seu filho e para a primeira palavra que ele disse. Depois sentiu o embate do seu carro. Como uma coisa suave. Como um toque gentil no ombro. Olhou para a frente de repente, torcendo o pescoço com tanta força que lhe doeu. Uma camisa de alças cor-de-rosa, longos cabelos castanhos erguem-se no ar.
Os pés rápidos no travão tarde demais.
Uma sandália bate contra o capot do carro. A figura de uma rapariga cai e sossega sobre a passadeira.
Um carro vinha a descer a rua e agora está parado. Um bebé começa a chorar.

"Estás gelada. Estás gelada por dentro e por fora." "Aquece-me." "Como? Não sei como…" "Sabes. Tens de saber." "Explica-me." "Não sei. Mas és tu que tens de saber." "Ainda gostas disto?" "Gosto. Gosto muito." "E disto?" "Sim." "Não parece." "Mas tu continuas com isso?" "Desculpa." "Beija-me." "Se eu te beijar, fazes-me um favor?" "Sim." "Sorris para mim?" "Sorrio. Eu estou sempre a sorrir para ti. Mesmo que não se veja." "Mas eu preciso de ver." "Está bem."

Um carro vinha a descer a rua.
Um carro vinha a descer a rua e parou repentinamente com um guincho agudo e um cheiro a pneus queimados. Há uma rapariga caída sobre as listras pretas e brancas da passadeira. Casualmente a fonte começa a esguichar água. Um bebé chora. A mãe abre a porta do carro e tenta sair. Esqueceu-se de tirar o cinto. Enquanto o faz olha para trás. O seu filho está bem. Chora de medo apenas. Sai do carro com as pernas a tremer. Dirige-se para a rapariga enquanto várias pessoas também se aproximam. A rapariga parece estar a olhar para o céu.
Um carro está parado à beira de uma passadeira à beira de uma rotunda. Vinha a descer a rua.

"Não me sentes." "Sinto." "Mas não o demonstras." "Se não paras de falar, como é que queres que sinta?" "Ainda não sorriste." "Espera um pouco." "Espero. É o que faço sempre." "Não pares, por favor." "Eu não paro. Eu continuo." "Meu amor…" "Estás a chorar?" "Não é nada. Continua, não vá ele acordar." "Sorri, vá lá…" "Eu sorrio. Em breve eu sorrio." "Sorri, sorri, meu amor…"

Um carro vinha a descer a rua.Um carro vinha a descer a rua e já não se move. A polícia chegou. Alguém segura a mãe. Uma rapariga tirou o bebé do carro e embala-o, mas não o convence a calar-se. A mãe olha para a rapariga imóvel no asfalto. A rapariga que atropelou. Está morta. Um fio de sangue parou de escorrer-lhe pela boca abaixo. Os olhos fitam um céu que já não vê. A sua cara imobilizou-se com serenidade. Num sorriso.
Conto de
"Possivelmente Talisca"